Proibido Proibir e Tacu Tacu - arroz com feijão à Peruana.



 Proibido proibir.



Uma revolução de bordões. Proibido proibir. Maio de 68 quis instaurar a imaginação ao poder, mas a França de De Gaulle e Pompidou não mudou nada apesar das barricadas, greves e das manifestações multitudinárias que gritavam por liberdade. Muito, daquele movimento mítico se resumia a posturas, era a
Paris de Casablanca a qual todo progressista podia retornar quando o nó da gravata apertava mais da conta.
Tudo começou em 1967, quando se matriculou a Universidade de Paris Nanterre um ruivo de origem alemã, Daniel Cohn-Benit.
Naquele mesmo ano protestou contra a separação de rapazes e moças nas dependências universitárias, entrando numa residência feminina ao grito de “ livre circulação!” “ liberdade de ir e vir!”
Em 22 de março de 1968 voltou à carga. E então foi mais radical. “ Ocupemos a universidade!” era um líder nato. 150 estudantes o seguiram. “Não à Universidade Burguesa!” As palavras de Cohn_Benit rapidamente se transformam em grafites pelas paredes de Nanterre. “ Não podemos tolerar a prisão de seis jovens que protestavam contra a guerra do Vietnã. É falso que não podemos fazer nada contra o poder”, gritava ele animando seus companheiros desde o oitavo andar de um dos edifícios administrativos. No dia seguinte foram desalojados, mas as autoridades conseguiram justo o oposto do que pretendiam. “Vamos para Sorbona!” Em 3 de maio, faz 51 anos, receberam um apoio multitudinário em Paris.
Começava o famoso Maio de 68. De fato, foi uma primavera convulsa pelo mundo. Os jovens norte-americanos contra a guerra do Vietnã; um branco assassinava Martin Luther King e a URSS esmagava a tentativa de abertura da Tchecoslováquia, fazendo esvair em sanque aquele país.
Politicamente, Maio de 68 fracassou. Não se produziu a revolução que pediam os jovens e De Gaulle recebeu um suporte massivo pelas ruas e das urnas.

Daquele movimento saiu uma nova esquerda que se afastava de Moscou. Uma esquerda que, meio século depois, se parece tanto à direita, que está em crise. 






Receita de Tacu Tacu



Desde sempre foi um hábito familiar, requentar arroz e feijão num mesmo recipiente. O fundamental é que sejam do dia anterior. Um dia entretanto quando fazia isso para almoçarmos no trabalho, mi 'segundo', el peruano Carlos Lopes, me disse que havia um prato de seu país que se chama Tacu Tacu, fundamentalmente com tais ingredientes, arroz y frijoles de ayer hechos a la sarten.
A diferença básica é que uma vez misturados fica-se a dar tombos na mistura. Dar tombo é aquele movimento que cozinheiro adora fazer, misturar os ingredientes sem usar a colher. Uma vez aprendido o segredo do movimento é uma delicia. Zump! E la está o omelete de barriga para baixo. Pois é isso. Dei uma incrementada, coisa que os peruanos também a fazem, um fio de azeite, um alho passado pelo micro ralador, uma tirinha de bacon micro picada, uma pimenta malagueta e a dar tombos. A mistura vai secando. Não pode deixar fritar demasiadamente, mas um pouco é bom, vai do gosto também, quando o arroz, principalmente o arroz, que às vezes escapa do amalgama, pula como uma pipoca, é que a coisa tá ficando boa, pronta, dou mais uma virada, um tombo, ludicamente, a mistura vai ganhando forma, os ingredientes 'quase' se amalgamam, é uma só peça. Os arrozes e os feijões da superfície ganham um sabor de fritos, e uma certa crocância.

Guarneci com um purê de inhame e um ovo frito.







Procurar cogumelos nos Pirineus.

O acepipe.







A geada resistia aos primeiros raios de sol que pelas frestas dos pinheiros

iluminavam as sombras de onde deveriam aparecer os fungos. Cada um escolheu seu caminho. Eu a mote de norte tangenciei o curso de um arroio de águas cristalinas, que descia rumo ao Segre, gelado e fumarento. Estaquei diante de um cogumelo. Admirado, pesquisado e por fim, colhido. Com uma faca de cabo longo e lâmina curta, cortei o talo acima dos esporos, regra a ser cumprida nessa micologia. Um passo a frente e toda uma família que muito reduziu o tamanho do primeiro. Mas, guardei o primeiro
Continuei subindo por uma escarpa que dava em um grotão, que dava para mais além e fui subindo nessa busca infinita, e quando consegui chegar ao topo, um algo mais ensolarado, dei de frente com um Amanita vermelho com pintinhas brancas. Pesquisei. Alucinógeno. Psilocibina. Dei uma mordida. Achei-me sentado à beira do arroio e contávamos um ao outro o deslumbramento recíproco que sentíamos sua dele transparência indiscutível seu barulhinho ao passar o pequeno estreito formado por grandes calhaus em seu pequeno leito onde pousa o meu retrato colado em seus gneisses de fundo e ele o rio dizia de minha imobilidade, minha coisa nenhuma de alarme de nele se me ver refletir meu saber de que não sendo ele o mesmo e nem mesmo eu sendo no
que me transformo sou ainda confiável sem me achar infértil por não ter peixinhos vermelhos a subir por mim meu não lhe tocar para me ter mesmo que o abuso de fulgor que lhe reflito que eu começo a pensar peixes feixes de luz e a ser eu rio eu peixes brilho o que vê e o visto sendo o sol refletido a fonte do calor que me queima e eu a banhar-me
em mim beber-me...
Então você também se ausenta?

A todo pulmão aqui.
Recusas?
Qual recusa?
Que somos iguais. E que tampouco esteja inteiramente aqui, seguindo a tal de essência do ser.
Vale! Tenho momentos de fuga à inglesa, e você não é assim?
Sou. Mas penso que isso tudo faz o essencial. Sem projetar-me no futuro ainda que o pretenda e o projete.
Eu não disse que fugia rumo ao futuro.
Eu sei. É que parti do seu -fuga à inglesa- e acabei por complicar, o fato é que, se estou em você é porque eu quero estar em você.
Aqui estamos nós!
Desde Vasco da Gama!

Desde antes!
Andando em círculos!
Desde o inverno da Alexandria!
Se aqui estamos, pra onde iremos?
Que diferença faz inventarmos um dialeto?
Andar em volta de nós mesmos?
Eu quero uma festa sem fim.
Continuaremos aqui?
Vamos na busca da virgindade do mundo!
Sem sabedoria?
Só curiosidade!
Como?
Os sábios estão velhos. E nós seus legados.
Sim, mas, e o mínimo futuro?
O futuro mínimo que vira o máximo?
Nada se esgota em nós, ou fora de nós.
Então que tal a surpresa que enriquece!
Calle Luna.
La rambla.
Puerta de Alcalá.
O buraco negro.
O sol.
O centro.
O cerne.
O sal





Conto Alucinação.

alucinação.


Me apresento?
- Pois, Dino Sauro. E digo: Desde que fechei minha videolocadora ganho a vida descarregando e pirateando filmes e shows de música sertaneja universitária para vender pela cidade. Meu amigo Artur Dias Ciénaga vende muito lá na baixada, perto do mercadão. Artur se especializou em vender música com flauta andina… acho que pelo sotaque. Vou ao que interessa, acabo de passar por uma experiência horrível no banheiro.
Estava só experimentando uma coca que me vendeu meu dealer Aécio el Rey de la Falorpa. Notei um forte cheiro de éter e giz, mais giz que éter. Esse canalha temperou com tanto geso que por pouco não se forma uma rolha no nariz. Bom pelo menos posso falar aos neófitos que sou professor e lousa e giz. Guardei o espelhinho com o pino no armarinho do lavabo, foi então que ouvi um ruído estranho vindo de algum lugar dali de dentro.
Fiquei atento ao ralo da ducha, ao ralinho da pia do lavabo, olhei na água parada do vaso sanitário… então o vi, como um flash. Um olho que me observava desde o interior do ralo da ducha.
Soltei um grito, quase quebro o box, bati a porta do banheiro e meu coração batia a ponto de explodir. “ Será que foi o giz do Aécio? - pensei - Impossível, estava tão batizada que não provocaria alucinações nem num terra planista.”
Já passou uma hora. Decido pegar um cabo de vassoura e ir ao banheiro. O primeiro que vejo é a mangueirinha da ducha sobre o tapete de borracha. De repente se agita como uma serpente e umas antenas cumpridas começam a sair pela água do vaso sanitário. As antenas arrastam o resto da coisa. Um tentáculo com uma boca de ventosa horrível com dentes de lampreia se inclinam na minha direção como se estivesse se preparando para me atacar. Mais antenas aparecem por todos os lados, saem da ducha, do ralo, da pia do lavabo e até globo da luz. Começo a dar pauladas a esmo, jogo o cesto do lixo, a toalha, tudo que está a meu alcance. O tentáculo vira uma massa de gel, shampoo, antenas e bocas… dou um pulo para trás, bato a porta atrás de mim. Ainda tentava recompor meu folego e soa a campainha. Pelo olho mágico vejo dois policiais.
- Policia – disse um – temos provas de que vende cds piratas. Delito contra a propriedade intelectual.
“ Taquepariu, aquele civil vadio atrás duns troco ,miúdos apertou o Artur e ele bateu com sua imensa língua nos dentes daquela bocarra” - penso - mas eles voltam à carga
- Também sabemos que possui drogas. Delito de tráfico e associação criminosa.
“ Porra, até o Aécinho? Estou rodeado de dedos-duros!”
- Vocês tem ordem judicial, digo ao policial que está mais dentro do que fora de casa.
- Claro que temos – e completa com um sorriso melifluo - : Posso usar o banheiro?
- Ah! Esse truque é velho! Eu vi umas cem vezes no C.S.I LA - dizia e já lembrava do pino e o espelho no armarinho - e lá do fundo de mim surge o instinto de sobrevivência.:
- Pelo corredor segunda porta a direita.
Com um obrigado inaudível ele avança pelo corredor e entra no banheiro. O outro e eu ficamos frente a frente, ele na escada eu na soleira. Imediatamente ouvimos os gritos, barulhos agudos de vidros quebrando, ruido de … mastigação com boca aberta?
- Que que tá acontecendo? - grita o policial – entrando, me empurrado, tirando a pistola do coldre fazendo mira como se fora Horácio.
Abre a porta do banheiro com um coice. Ouço um disparo. Mais gritos, logo silêncio.
Recolho tudo que cabe no meu fusca. Creio que é um bom momento para visitar o casal de amigos Luiz e Dimea que foram criar cabras para fazer queijo numa cabana na finca Juncal num povoado afastado no Uruguai.

Pão com fermento natural e um conto.





Pão de fermentação natural e o conto Fakenews.


Meu revólver é bem calado, só conhece seis palavras, quase iguais. Sei que no mundo não há duas coisas iguais. Nem gente, nem revolveres, ou as garrafas de Old Parr, nem um Cohiba, nada, mas seria capaz de distinguir meu revólver entre centenas: a empunhadura, o guarda mato, o cão, mesmo que não o tivesse limado para que não engastalhe na roupa na hora da pressa, mesmo assim o distinguiria.
Pode parecer extravagante que o amante de arma de fogo se refugie numa igreja, mas que fazer se Armando Colto me persegue empunhando uma pistola automática de cor preta azulada com seis balas calibre 45 e que - estão gravadas com seu nome - ele me avisa.
Na pressa percorro o altar e salto para atrás dele no momento que Colto dispara três balas cuspindo fogo. Uma rebota no crucifixo e vem deixando um traço pelo chão de mármore, passa de raspão a meu pé direito. Outros outros três estampidos se ouve como resposta, para dissuadi-lo de se aproximar.
Um mão na empunhadura do meu revólver e a outra no punho dela levanto a cabeça acima do parapeito do sacrário. Vejo os olhos pequenos de Armando e demasiadamente próximos um do outro. Ele está ansioso para demonstrar como soa sua automática. Dois tiros e fazem os círios do altar voarem espatifados, soam mais dois em devolução, salto e me escondo no confessionário. Outro disparo e logo se ouve a resposta.
Levanto-me lentamente e avanço pelo corredor central de revolver em punho. Colto joga sua automática entre os bancos por debaixo dos genuflexórios e se aproxima levantando os braços e cabeça baixa, e dançando como faz boxeador sem talento, para tentar mostrar que sabe os próximos movimentos.
_ Contei teus disparos – diz – teu tambor está vazio.
Puxo o cão com força e cuidado, solto-o e o estalido ressoa na nave e o fogo se vê.
O silêncio congela o ambiente, Armando Colto jaz sobre os ladrilhos hidráulicos, mirando-me com expressão de espanto, enquanto a vida se lhe escapa por um perfeito buraco no meio da testa.
_ Ainda me sobram duas, seu imbecil, você contou os ecos também, como quem aposta em fakenews como verdade.


Como fazer pão com fermento natural.

Fermento Natural. Comece com uma parte de água, meia de farinha de trigo e meia de farinha de trigo integral. No dia seguinte adicione uma parte de água e uma de farinha de trigo. No dia seguinte faça o mesmo, e repita o processo por uma semana. Ao fim de uma semana tem o fermento natural e caseiro pronto. Mantenha sempre em lugar fresco, mas não precisa ser na geladeira.

Para fazer o pão.
Misture farinha, sal (uma colher de chá) e um tico ( 30 g) de gordura ( óleo, azeite ou banha de porco) e água, então amasse.
Pode ficar bem mole. Reserve por no mínimo 12 horas. Sempre dando umas voltas na massa. Não precisa amassar.
Depois de doze horas, junte o fermento natural, pode por bastante. E misture bem. E levemente. O resultado deve despegar das mãos. Caso contrário ou está dura demais, acrescente água. Ou mole demais, então acrescente farinha. Amasse. Sove. Bastante. Mínimo 15min. Deixe crescer por mínimos 50 minutos ( se for mais tempo só melhora, até um máx de 48 horas).
Agora, dê a forma do pão que deseja. Deixe crescer por no mín 30 minutos, se estiver frio deixe dentro de um forno por mais tempo. Coloque numa forma para ir ao forno bem quente. Asse até que fique da cor que gosta.
Espere esfriar para cortar.
Coma com tomate maduro, azeite e fatias de salame. Ou
da maneira que você mais gosta.


Ovos moles com sal pimenta do reino e ervas

Ovos moles  com sal pimenta do reino e ervas.


Já vi  casos em que certos animais adquirem a aparência humana do seu dono, e vivem como tais. Mesmo que conservando as características da sua espécie, não é tão estranho que uma galinha se converta numa mulher, beba cerveja nos bares e até fale por telefone.

Isso é o que aconteceu com Rata. Sua aparência era de mulher, tudo mais era pura galinha. Submergi nos  seus olhos amarelos, foi à primeira vista, no balcão daquele bar, poleiro que costuma ir às sextas-feiras.

Mais decidida que bonita. Mas, não é o tipo de mulher que se consegue olhar impunemente duas vezes no elevador, parece sempre flutuar num estranho éter de sensualidade.  Quando perguntei seu nome, imitou o 007, Touille, Rata Touille, Chame-me Rata. De alguma maneira percebi sua faceta de galináceo, como um náufrago tateia terra firme. Isso me confundiu e me seduzia ao mesmo tempo.
Fomos ao meu apartamento. Rata me comeu de um modo selvagem que desconhecia, com toda sua avícola sexualidade. Sua longa cabeleira me caía pelo rosto. Gemia. Invadiu-me um  prazer imenso que parecia dançar pelo quarto como um vendaval escuro. Feliz e esgotado. Me despertou um raio de luz matutino que varava as cortinas esquentando minhas pálpebras.
Rata se havia ido mas deixou sobre a mesa um ovo.  Debaixo do ovo, um bilhete com seu Cel.
Cozinhei aquele ovo por 3 min, e comi  com sal pimenta do reino e ervas.
Uma delícia.

Pied du Porc à la Sainte Ecolasse.


Pied du Porc à la Sainte Ecolasse.

No verão de 88 andava por Aix-en-Provence com Alejo e Bernd. Fomos visitar Ekkehardt Ulrich, que cursava uma disciplina de Direito Espacial. Nos entretínhamos em Les Calanques de Marselha, nas horas do sol, e à tardinha em les Cours Mirabeux bebendo chopp nas esplanadas. Um dia decidimos jantar quase às onze da noite, nessa hora estavam fechando, mas entramos numa brasserie alsaciana pelo meio do nevoeiro de fumo. Então, ainda se fumava em restaurante. Os garçons andavam apressados. Entrando e saindo pela porta batente. Começamos mal quando Ekke pediu Pieds du cochon e o garçom me corrigiu com cara de ofendido: “Notrês pieds du porc a la Sainte Ecolasse” com a boca na forma de um cu de galinha em cada o e u pronunciado. Nos trouxeram jarras de chopp com copinhos de kirsch e uma travessa com chucrute e linguiça.

O chucrute parecia um vomitado e as linguiças murchas. Alejo declarou: meus pés de porco estão incomiveis. Não lembro o que pediu Bernd mas disse em português que era uma “bazofia”. Alejo me perguntou: “Como está teu rabo, Cido?” Não, tinha segundas intenções. Eu respondi que me deram a parte da rabada que fica mais perto do cu. Ullrich perguntou ao garçom se podia trocar o chucrute por outra coisa. “Vocês não gostaram do nosso chuchoute a l'alsaciene”! Juro ter ouvido falar a um sininho. Então Ekkehardt respondeu categoricamente:: “C'est unne merde” justo no momento que o maître passava por ali. Sabem o que são os olhos de um louco? O maître os tinha.
  • Mas o que é isso? Grasnou furioso, forasteiros a criticar a cozinha francesa? C'est la dernière goutte! E olhando a mim e Alejo que somos sulamericanos, quando vocês ainda eram canibais e bebiam cauim em crânios de tupiniquins já comíamos pratos sofisticados. Os japoneses da mesa ao lado fotografavam. E o maître prosseguiu: “E nosso fromage Munster,
    que em toda vossa desgraçada vida não foram capazes de fazer e ainda criticam o chucrute.
Aquele chopp com kirsch havia me subido à cabeça, por isso meti a colher: “Quand vous arrêtez de vou tromper, apporte moi un altre bière...
O maître deu um grito de raiva:” E esse que fala francês” e me apontou o dedo. ...s'il vous plaît, somei tentando apaziguar. Não colou. Seu dedo descreveu um semicírculo e apontou a porta. “Sortez d'ici!” . Nos precipitamos para a rua passando entre os garçons de casaco vermelho.


Pizza de Lombinho com abacaxi e catupiri.

… sim metade de anchova sem queijo, bastante molho de tomates e azeitonas pretas, e metade margherita, ah! pede pra botar o manjericão depois que a pizza sair do forno, por favor. - Mais uma coisa, da última vez veio meia pizza Havaiana, tive que jogar fora. não ocorrerá  …- Sim, troco para 100 reais. Quando desligo o telefone alguém bate à porta com o nó dos dedos. Não deve ser a pizza, afinal acabo de pedir. Por que não usou o interfone?
Abro. Um sujeito meio torto com um tapa olho e me aponta um revólver.
  • Venho aqui para que me conte um conto, disse o sujeito e faz sinal com o cano da arma, para que entremos para a sala. Situação difícil, não sou um contador de estórias.
  • Escuta... tento explicar mas ele se senta no sofá e engatilha a arma.
  • Nada de escuta. Ou conta ou lhe meto uma bala na cabeça.
  • Bom, sendo assim, começo a contar.  Incerta vez, havia duas pessoas conversando numa sala, quando de repente alguém chama a porta batendo com os nó dos dedos. O Torto se endireita no sofá e de repente alguém bate à porta com os nós dos dedos. Olho para o Torto que me diz : “Abra, e despacha essa gente logo, que isso tá muito louco,  e cuidado com o que vai falar”.
    Abro e é um jovem fazendo enquete.
  • Olá! Estou fazendo uma pesquisa. É muito breve, umas perguntinhas sobre pizzas. E antes que possa evitar ele se mete para dentro e saúda o Torto com um “Beleza?”
  • Olha, não é um bom momento, é melhor voltar depois.
  • Por favor só quero fazer quatro perguntas, é o meu ganha pão para pagar a faculdade de EaD de letras. Foi falando e se sentando ao lado do torto, que saca da bolsa um metralheta Parabélum e berra: ou desembucha esse conto ou pico os dois de bala.
    Nesse momento batem à porta com o nó dos dedos, o Torto e o Pesquisador se viram para a porta e me olham ameaçadoramente.
  • Despache ele rapidinho, sibila o pesquisador.

    Abro a porta e é o entregador de pizza.
  • É aqui, meio aliche meio lombinho com catupiri com abacaxi?
  • Eu pedi meio aliche meio margherita. Detesto pizza com abacaxi.
  • Dois coelhos com uma cajadada, diz o pesquisador, anotando na folha. O torto convida o motoqueiro com o capacete na testa a se sentar, enquanto o pesquisador abre espaço no sofá. O entregador deixa a pizza sobre a mesa. Eu engulo saliva e começo: “ O último homem sobre a terra estava sentado no sofá de sua casa. De repente, chamam à porta...”

  • Ah! Meu! Para com esses toc-toc na porta. Se queixa o torto.
  • “... atende o interfone e pergunta: quem é?” e uma voz responde:
  • Podemos conversar um pouco?
  • Você tá tirando sarro, isso é um micro conto do Frederic Brown, e você misturou com os testemunhas de jeová, diz o pesquisador, mostrando sua cultura universitária.
  • Fazer o quê, com uma Parabélum apontada pra mim?
    Os três cochicham: "Que tal a gente comer essa pizza?".  Eu rapidamente me antecipo: 
  • A de anchova é minha, detesto pizza califórnia, havaiana... 

Dieta Kantiana, ou emagrecer com Kant

Dieta Kantiana, ou emagrecer com Kant.

Emagrecer com Kant, pode parecer uma ideia de jerico, mas não é, além disso a sua prática nos torna mais éticos e livres. Em todo caso, e na verdade,  não se pode levar os fundamentos, os imperativos kantianos às últimas consequências, que senão o consumismo diminui e muito, e não sei o que aconteceria, caso isso acontecesse, e não sei se quero isso.
 Basicamente, Kant nos diferencia dos animais pela razão ( que é uma lei autoimposta)  e pela dignidade humana. Introduz para isso  o conceito de  Autonomia versus o de Heteronomia. Onde autonomia é fazer segundo a lei autoimposta que é a razão, e heteronomia é fazer pelo outro, pelos fins, ou uma inclinação – incluso você –  assim exige, indica, sugere. O problema, que na verdade é a solução da obesidade, entra aqui: ser autônomo é fazer o que você quer e é moralmente um dever   e não o que quer os desejos as inclinações e impulsos e instintos e os fins sugerem, exigem, indicam. É o ser racional e moral, em pleno gozo e uso da razão e da moralidade que diz “não” aos impulsos, instintos, aos fins animalescos que o habita.  Roberto Carlos está parcialmente correto ao dizer que … o que mais gostamos ou é imoral ou engorda.


Na verdade engorda por imoral, assim todo gordo é imoral. A obesidade é uma imoralidade do ser. Atente para o fato de que exceções, neste caso patológicas, sempre estão contempladas em toda generalização.  Assim não há porque comer, se não se tem fome. Pode-se dizer e diz-se que estava agoniado, ansioso, mas isto já não é você, um ser racional e livre, diz sim, de um animal que foi abandonado – no ocidente, que não sei onde começa e acaba  realmente, há vários ocidentes – antes e com a tragédia grega, muito antes da Liga de Delos. Há uma ligação entre moralidade e liberdade. Há o dever que se refere à dignidade humana, assim devemos agir segundo este dever, e quando se fala em dignidade humana, é bom se lembrar do humano que cada um é. Assim devo respeitar a minha dignidade. E como humano e respeitador da minha dignidade e a dos outros humanos, me torno livre, e como ser livre não posso me sujeitar, por respeito a minha dignidade, aos apelos externos e internos do consumo imoral. Porque se uma barra de chocolate me sujeita, se uma cerveja me sujeita, um bibelô me sujeita já não sou livre. O importante é adiantar que ser moral pra emagrecer, diria Kant, se tratar de uma moralidade com fundamento hipotético. Não  é de todo boa. A Faço X para obter Y.
risoto de café

Rodizio Vanguardista.

Churrascaria em 2064.






                              "Um dia, num restaurante fora do espaço tempo, me serviram o amor como dobradinha fria. Fernando Pessoa.

    Primavera de 2064. Ricardo, Serjão e Mané se dirigem de carro para O Rodizio Vanguardista. Conseguiram uma reserva porque Serjão conhece o maître, já que a churrascaria é um dos locais mais extraordinários da história da restauração da Alta-Mojiana.
    - Usam animais desenhados geneticamente, os informa Ricardo – Alguns, incluso, trabalham como garções! Acrescenta.
    Quando chegam a churrascaria já está cheia. Conversas, cheiros e especiarias trazidas de fora do sistema solar. As mesas estão distribuídas em um amplo círculo ao redor de uma estatua em tamanho natural de Genoveva, a primeira vaca impressa, no ano de 2047.
    Um garçom se acerca.
    - Querem ver o Cardápio? Ou desejam o prato carne do dia?
    - Excelente! Disse Serjão, queremos carne, somou. De repente os três emudecem de assombro ao ver que um cordeiro vem à mesa com gentil sorriso ruminante.
    - Bem vindos! Os saúda com voz aguda. Sou o cordeiro Gabriel, não confunda com Gabriel Cordeiro, e ria como se fosse uma hiena, da própria piada e acrescentou: venho adoçar o vosso repasto. Tornou a rir. “Nenhum cordeiro em seu são juízo  diria isso” disse Mané.

    - Permitam-me sugerir minhas costelinhas, bale o cordeiro, e com um risinho soma, está macia e sucosa. Também recomendo minha paleta, assada ao ponto com alho e alecrim. Os rins com vinho do Porto e lascas de pão preto....
    - Mas isso é horrível! Exclama Ricardo, este animal pede que o comamos.
    - Ao menos parece que a ideia não o desagrada, diz Mané. Os três ficam olhando fixamente o quadrupede que espera suas respostas com olhos aquosos enquanto começa a ruminar e engole o bolo digestivo. Na mesa está criada a tensão. “Não posso” pensa Serjão, e diz:
    - Vou comer uma salada com palmito e aspargos.
    - Eu quero o mesmo, não, não melhor uns crudités. Disse Ricardo.
    - Para mim, raviólis de espinafre, pede Mané.
    O cordeiro Gabriel faz uma reverencia de cabeça e se afasta rumo a cozinha. O maïtre reconhece seu amigo Serjão e se aproxima cerimonioso. Ao perceber suas expressões confusas decide esclarecer-lhes a situação.
    - Benvindo ao Rodizio Vanguardista, o churrasco do futuro! Depois abaixando o tom de voz continua: Serjão, senhores... este local faz parte de uma cadeia vegana camuflada. Os clientes se sentem incômodos ao ver um inocente animalzinho pedindo que lhe devorem e logo todos mudam de hábito alimentício.
    - Eu entendo, disse Serjão, depois dessa experiencia creio viro vegetariano.
    - E eu vegano, diz Ricardo.
    - Eu me torno crudivorista, teima Mané.
    Um frango caipira salta entre as mesas e dá ordens à cozinha: Uma couve-flor com gergelim na mesa oito!”
    - E causa o mesmo efeito com todos os clientes? Pergunta Serjão.
    - Com todos não, suspira o maître olhando a mesa do lado onde uma vaca, com graciosos movimentos de anca, executa uns passos de bolero diante de um casal.
    - Trilegal! Que linda vaquinha! Aplaude entusiasmado o homem e pede: Um bife a cavalo e fritas, tchê!
    - Para mim a milanesa, diz a mulher e de entrada um figado acebolado! Ao ponto e com bastante salsinha, pode ser?
    - Com os gaúchos ainda não funciona, murmura o maître.