Ovos moles com sal pimenta do reino e ervas

Ovos moles  com sal pimenta do reino e ervas.


Já vi  casos em que certos animais adquirem a aparência humana do seu dono, e vivem como tais. Mesmo que conservando as características da sua espécie, não é tão estranho que uma galinha se converta numa mulher, beba cerveja nos bares e até fale por telefone.

Isso é o que aconteceu com Rata. Sua aparência era de mulher, tudo mais era pura galinha. Submergi nos  seus olhos amarelos, foi à primeira vista, no balcão daquele bar, poleiro que costuma ir às sextas-feiras.

Mais decidida que bonita. Mas, não é o tipo de mulher que se consegue olhar impunemente duas vezes no elevador, parece sempre flutuar num estranho éter de sensualidade.  Quando perguntei seu nome, imitou o 007, Touille, Rata Touille, Chame-me Rata. De alguma maneira percebi sua faceta de galináceo, como um náufrago tateia terra firme. Isso me confundiu e me seduzia ao mesmo tempo.
Fomos ao meu apartamento. Rata me comeu de um modo selvagem que desconhecia, com toda sua avícola sexualidade. Sua longa cabeleira me caía pelo rosto. Gemia. Invadiu-me um  prazer imenso que parecia dançar pelo quarto como um vendaval escuro. Feliz e esgotado. Me despertou um raio de luz matutino que varava as cortinas esquentando minhas pálpebras.
Rata se havia ido mas deixou sobre a mesa um ovo.  Debaixo do ovo, um bilhete com seu Cel.
Cozinhei aquele ovo por 3 min, e comi  com sal pimenta do reino e ervas.
Uma delícia.

Pied du Porc à la Sainte Ecolasse.


Pied du Porc à la Sainte Ecolasse.

No verão de 88 andava por Aix-en-Provence com Alejo e Bernd. Fomos visitar Ekkehardt Ulrich, que cursava uma disciplina de Direito Espacial. Nos entretínhamos em Les Calanques de Marselha, nas horas do sol, e à tardinha em les Cours Mirabeux bebendo chopp nas esplanadas. Um dia decidimos jantar quase às onze da noite, nessa hora estavam fechando, mas entramos numa brasserie alsaciana pelo meio do nevoeiro de fumo. Então, ainda se fumava em restaurante. Os garçons andavam apressados. Entrando e saindo pela porta batente. Começamos mal quando Ekke pediu Pieds du cochon e o garçom me corrigiu com cara de ofendido: “Notrês pieds du porc a la Sainte Ecolasse” com a boca na forma de um cu de galinha em cada o e u pronunciado. Nos trouxeram jarras de chopp com copinhos de kirsch e uma travessa com chucrute e linguiça.

O chucrute parecia um vomitado e as linguiças murchas. Alejo declarou: meus pés de porco estão incomiveis. Não lembro o que pediu Bernd mas disse em português que era uma “bazofia”. Alejo me perguntou: “Como está teu rabo, Cido?” Não, tinha segundas intenções. Eu respondi que me deram a parte da rabada que fica mais perto do cu. Ullrich perguntou ao garçom se podia trocar o chucrute por outra coisa. “Vocês não gostaram do nosso chuchoute a l'alsaciene”! Juro ter ouvido falar a um sininho. Então Ekkehardt respondeu categoricamente:: “C'est unne merde” justo no momento que o maître passava por ali. Sabem o que são os olhos de um louco? O maître os tinha.
  • Mas o que é isso? Grasnou furioso, forasteiros a criticar a cozinha francesa? C'est la dernière goutte! E olhando a mim e Alejo que somos sulamericanos, quando vocês ainda eram canibais e bebiam cauim em crânios de tupiniquins já comíamos pratos sofisticados. Os japoneses da mesa ao lado fotografavam. E o maître prosseguiu: “E nosso fromage Munster,
    que em toda vossa desgraçada vida não foram capazes de fazer e ainda criticam o chucrute.
Aquele chopp com kirsch havia me subido à cabeça, por isso meti a colher: “Quand vous arrêtez de vou tromper, apporte moi un altre bière...
O maître deu um grito de raiva:” E esse que fala francês” e me apontou o dedo. ...s'il vous plaît, somei tentando apaziguar. Não colou. Seu dedo descreveu um semicírculo e apontou a porta. “Sortez d'ici!” . Nos precipitamos para a rua passando entre os garçons de casaco vermelho.


Pizza de Lombinho com abacaxi e catupiri.

… sim metade de anchova sem queijo, bastante molho de tomates e azeitonas pretas, e metade margherita, ah! pede pra botar o manjericão depois que a pizza sair do forno, por favor. - Mais uma coisa, da última vez veio meia pizza Havaiana, tive que jogar fora. não ocorrerá  …- Sim, troco para 100 reais. Quando desligo o telefone alguém bate à porta com o nó dos dedos. Não deve ser a pizza, afinal acabo de pedir. Por que não usou o interfone?
Abro. Um sujeito meio torto com um tapa olho e me aponta um revólver.
  • Venho aqui para que me conte um conto, disse o sujeito e faz sinal com o cano da arma, para que entremos para a sala. Situação difícil, não sou um contador de estórias.
  • Escuta... tento explicar mas ele se senta no sofá e engatilha a arma.
  • Nada de escuta. Ou conta ou lhe meto uma bala na cabeça.
  • Bom, sendo assim, começo a contar.  Incerta vez, havia duas pessoas conversando numa sala, quando de repente alguém chama a porta batendo com os nó dos dedos. O Torto se endireita no sofá e de repente alguém bate à porta com os nós dos dedos. Olho para o Torto que me diz : “Abra, e despacha essa gente logo, que isso tá muito louco,  e cuidado com o que vai falar”.
    Abro e é um jovem fazendo enquete.
  • Olá! Estou fazendo uma pesquisa. É muito breve, umas perguntinhas sobre pizzas. E antes que possa evitar ele se mete para dentro e saúda o Torto com um “Beleza?”
  • Olha, não é um bom momento, é melhor voltar depois.
  • Por favor só quero fazer quatro perguntas, é o meu ganha pão para pagar a faculdade de EaD de letras. Foi falando e se sentando ao lado do torto, que saca da bolsa um metralheta Parabélum e berra: ou desembucha esse conto ou pico os dois de bala.
    Nesse momento batem à porta com o nó dos dedos, o Torto e o Pesquisador se viram para a porta e me olham ameaçadoramente.
  • Despache ele rapidinho, sibila o pesquisador.

    Abro a porta e é o entregador de pizza.
  • É aqui, meio aliche meio lombinho com catupiri com abacaxi?
  • Eu pedi meio aliche meio margherita. Detesto pizza com abacaxi.
  • Dois coelhos com uma cajadada, diz o pesquisador, anotando na folha. O torto convida o motoqueiro com o capacete na testa a se sentar, enquanto o pesquisador abre espaço no sofá. O entregador deixa a pizza sobre a mesa. Eu engulo saliva e começo: “ O último homem sobre a terra estava sentado no sofá de sua casa. De repente, chamam à porta...”

  • Ah! Meu! Para com esses toc-toc na porta. Se queixa o torto.
  • “... atende o interfone e pergunta: quem é?” e uma voz responde:
  • Podemos conversar um pouco?
  • Você tá tirando sarro, isso é um micro conto do Frederic Brown, e você misturou com os testemunhas de jeová, diz o pesquisador, mostrando sua cultura universitária.
  • Fazer o quê, com uma Parabélum apontada pra mim?
    Os três cochicham: "Que tal a gente comer essa pizza?".  Eu rapidamente me antecipo: 
  • A de anchova é minha, detesto pizza califórnia, havaiana... 

Dieta Kantiana, ou emagrecer com Kant

Dieta Kantiana, ou emagrecer com Kant.

Emagrecer com Kant, pode parecer uma ideia de jerico, mas não é, além disso a sua prática nos torna mais éticos e livres. Em todo caso, e na verdade,  não se pode levar os fundamentos, os imperativos kantianos às últimas consequências, que senão o consumismo diminui e muito, e não sei o que aconteceria, caso isso acontecesse, e não sei se quero isso.
 Basicamente, Kant nos diferencia dos animais pela razão ( que é uma lei autoimposta)  e pela dignidade humana. Introduz para isso  o conceito de  Autonomia versus o de Heteronomia. Onde autonomia é fazer segundo a lei autoimposta que é a razão, e heteronomia é fazer pelo outro, pelos fins, ou uma inclinação – incluso você –  assim exige, indica, sugere. O problema, que na verdade é a solução da obesidade, entra aqui: ser autônomo é fazer o que você quer e é moralmente um dever   e não o que quer os desejos as inclinações e impulsos e instintos e os fins sugerem, exigem, indicam. É o ser racional e moral, em pleno gozo e uso da razão e da moralidade que diz “não” aos impulsos, instintos, aos fins animalescos que o habita.  Roberto Carlos está parcialmente correto ao dizer que … o que mais gostamos ou é imoral ou engorda.


Na verdade engorda por imoral, assim todo gordo é imoral. A obesidade é uma imoralidade do ser. Atente para o fato de que exceções, neste caso patológicas, sempre estão contempladas em toda generalização.  Assim não há porque comer, se não se tem fome. Pode-se dizer e diz-se que estava agoniado, ansioso, mas isto já não é você, um ser racional e livre, diz sim, de um animal que foi abandonado – no ocidente, que não sei onde começa e acaba  realmente, há vários ocidentes – antes e com a tragédia grega, muito antes da Liga de Delos. Há uma ligação entre moralidade e liberdade. Há o dever que se refere à dignidade humana, assim devemos agir segundo este dever, e quando se fala em dignidade humana, é bom se lembrar do humano que cada um é. Assim devo respeitar a minha dignidade. E como humano e respeitador da minha dignidade e a dos outros humanos, me torno livre, e como ser livre não posso me sujeitar, por respeito a minha dignidade, aos apelos externos e internos do consumo imoral. Porque se uma barra de chocolate me sujeita, se uma cerveja me sujeita, um bibelô me sujeita já não sou livre. O importante é adiantar que ser moral pra emagrecer, diria Kant, se tratar de uma moralidade com fundamento hipotético. Não  é de todo boa. A Faço X para obter Y.
risoto de café

Rodizio Vanguardista.

Churrascaria em 2064.






                              "Um dia, num restaurante fora do espaço tempo, me serviram o amor como dobradinha fria. Fernando Pessoa.

    Primavera de 2064. Ricardo, Serjão e Mané se dirigem de carro para O Rodizio Vanguardista. Conseguiram uma reserva porque Serjão conhece o maître, já que a churrascaria é um dos locais mais extraordinários da história da restauração da Alta-Mojiana.
    - Usam animais desenhados geneticamente, os informa Ricardo – Alguns, incluso, trabalham como garções! Acrescenta.
    Quando chegam a churrascaria já está cheia. Conversas, cheiros e especiarias trazidas de fora do sistema solar. As mesas estão distribuídas em um amplo círculo ao redor de uma estatua em tamanho natural de Genoveva, a primeira vaca impressa, no ano de 2047.
    Um garçom se acerca.
    - Querem ver o Cardápio? Ou desejam o prato carne do dia?
    - Excelente! Disse Serjão, queremos carne, somou. De repente os três emudecem de assombro ao ver que um cordeiro vem à mesa com gentil sorriso ruminante.
    - Bem vindos! Os saúda com voz aguda. Sou o cordeiro Gabriel, não confunda com Gabriel Cordeiro, e ria como se fosse uma hiena, da própria piada e acrescentou: venho adoçar o vosso repasto. Tornou a rir. “Nenhum cordeiro em seu são juízo  diria isso” disse Mané.

    - Permitam-me sugerir minhas costelinhas, bale o cordeiro, e com um risinho soma, está macia e sucosa. Também recomendo minha paleta, assada ao ponto com alho e alecrim. Os rins com vinho do Porto e lascas de pão preto....
    - Mas isso é horrível! Exclama Ricardo, este animal pede que o comamos.
    - Ao menos parece que a ideia não o desagrada, diz Mané. Os três ficam olhando fixamente o quadrupede que espera suas respostas com olhos aquosos enquanto começa a ruminar e engole o bolo digestivo. Na mesa está criada a tensão. “Não posso” pensa Serjão, e diz:
    - Vou comer uma salada com palmito e aspargos.
    - Eu quero o mesmo, não, não melhor uns crudités. Disse Ricardo.
    - Para mim, raviólis de espinafre, pede Mané.
    O cordeiro Gabriel faz uma reverencia de cabeça e se afasta rumo a cozinha. O maïtre reconhece seu amigo Serjão e se aproxima cerimonioso. Ao perceber suas expressões confusas decide esclarecer-lhes a situação.
    - Benvindo ao Rodizio Vanguardista, o churrasco do futuro! Depois abaixando o tom de voz continua: Serjão, senhores... este local faz parte de uma cadeia vegana camuflada. Os clientes se sentem incômodos ao ver um inocente animalzinho pedindo que lhe devorem e logo todos mudam de hábito alimentício.
    - Eu entendo, disse Serjão, depois dessa experiencia creio viro vegetariano.
    - E eu vegano, diz Ricardo.
    - Eu me torno crudivorista, teima Mané.
    Um frango caipira salta entre as mesas e dá ordens à cozinha: Uma couve-flor com gergelim na mesa oito!”
    - E causa o mesmo efeito com todos os clientes? Pergunta Serjão.
    - Com todos não, suspira o maître olhando a mesa do lado onde uma vaca, com graciosos movimentos de anca, executa uns passos de bolero diante de um casal.
    - Trilegal! Que linda vaquinha! Aplaude entusiasmado o homem e pede: Um bife a cavalo e fritas, tchê!
    - Para mim a milanesa, diz a mulher e de entrada um figado acebolado! Ao ponto e com bastante salsinha, pode ser?
    - Com os gaúchos ainda não funciona, murmura o maître.