Alcachofra à
Kierkegaard.
A alcachofra como a
cebola são seres kierkegaardianos, dão a impressão que depois de
suas várias camadas se pode chegar a um cerne, aos seus âmagos. A
cebola é sempre mais doce no seu interior, nas suas capas mais
internas. Adoro comer estas partes interiores, cruas.
A Alcachofra não é
um ser de toda hora, é sazonal, e é uma flor, anterior a flor que
seria se não a colhêssemos antes do tempo. Nada de anormal, pois
nos tornamos infanticidas relativamente aos nossos alimentos, pois
preferimos comer cordeiro a carneiro, cabrito a bode, novilho a boi,
broto de soja a soja, brotos em gerais (rs) pelo indivíduo adulto e
baby beef! Pois a alcachofra que comemos se deixada a seu ar, dá
numa linda flor azul.
Corto as pontas da
folha da alcachofra na altura dos seus ferros, espinhos, e retiro
antes de cozê-la as suas folhas mais externas, acerca do talo. Com
uma faca afiada, aplaino sua base, e com os retalhos deste aparar, o
miolo do talo, e de algumas folhas que tive sorte de encontrar no
supermercado, faço uma farofa. Uma farofa de pão. Na verdade uns
croutons, mas não jogo o farelo de pão fora, frito junto, e frito
em abundante azeite junto ao alho, à limpeza da alcachofra e umas
peles de pimenta calabresa, sal e pimenta do reino a gosto.
A alcachofra cozo
somente com uns ramos de salsinha. Cozo até que posso com um leve
puxão desengastar uma folha, e ao roer o seu ''pé'' sinto-o cozido.
Se sim, pronto.
Limpo-a de seus
''espinhos'' até chegar nas pétalas mais carnudas. Tudo sem
desmanchar sua forma.
Emulsiono azeite com
alho, salsinha e castanha do pará ralada, com um chorinho de
conhaque. Tudo cru. Sal a gosto.
Com esta emulsão
recheio a alcachofra. Que secundo com a farofa.
Como comer.
Não como a farofa a
princípio. Começo pelas folhas internas que virão já temperadas
com a emulsão, e venho vagarosamente vindo em direção à borda.
Meia hora depois, as folhas estão chupadas, roídas e reroídas. É
neste momento que penso, se já vinha desfrutando deste ser desde a
sua superfície, desde sua banal aparência, ao se deparar com o
fundo, o cerne, o âmago é então que vou me deliciar. Não presta!
Corto-o a ponta de faca e misturo com a farofa picante de pão. Ou
não!
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