Galinha d´Angola, Saqüé au faisandè.
Sou de esquerda e cozinheiro. Descobri meu culinarismo antes de ler o Manifesto Comunista. No primeiro ato culinarista foi o descortinar de minha impaciência com o menu-de-sempre. Metia noz moscada e pimenta do reino no feijão e o mundo me sabia melhor. Não demorei a chegar a Ideologia Alemã, 18 Brumário. E o mundo me sabia pior. Com a mesma velocidade ultrapassava a Cozinha de Ofélia e descobria Brillat-Savarin ( Fisiolofia do Gosto) “ … por meio de compensações justas, o ato de beber nos ministra, segundo as circunstâncias, prazeres extremamente vivos; aplacando a sede, quando muita, ou ao tomar, já saciado, qualquer bebida deliciosa, todo o aparelho papilar se põe a tilintar desde a ponta da língua até as profundezas do estomago” ( tradução livre) para devorar Florestan Fernandes, dele, vi palestras, fi-lo questões, que por vezes me envergonho havê-las feito. Júlio Chiavenato colaborou diretamente nesta formação, com uma análise critica à Geopolítica do Gal. Golbery . Hector Benoïtt desvirtuou-me com Heráclito: O porco se lava na lama. Wilson Giacon me esfregou Hobbes nas fuças: O homem é o lobo do homem. Foi época que meu esquerdismo fundamentado me ensinava que tanto fazia um ovo frito, quanto um strogonoff – tão caro era o “champignon em conserva” - . Posso dizer, e devo dizer que os livros de Marx, Chiavenato, Hobbes, Florestan, e outros eram mais caros que comer um Filet a Don Callogero na então Trattoria Zio Totó, rua Prof. Edna Rocha de Freitas, no Jardim Paulista. Aliás, foi o Magrão – Rômulo, filho do Don - enquanto passava a massa pelos cilindros - antes delas terem preferências “massiais” - do que seriam Fetuccini, que me abriu porta e janela de par em par da cozinha italiana, e meu primeiro amor foi a lasanha verde (espinafre) a quatro queijos. O gorgonzola me assombrou o paladar como 18 Brumário assombrou-me o pensamento. Com isso aprendi que cozinha era mais que poder aquisitivo, trata-se de imaginação e cultura. A imaginação requer Atenção. A atenção exige tempo, uma certa calma, uma forma de meditação e de observação insistente e positiva. Paralelamente a Cozinha requer tempo, uma certa calma e uma atenção evidente. Um dia conheci Dito, Benê, Benedito, que foi Chef do Hotel Premium em Campinas enquanto engolíamos um X-Tudo no carrinho de lanche defronte o hotel. Me falou de Antoine Carême, pâtissier o rei do açúcar com suas pièces montées , rei dos chefs , Escoffier – Le Guide Culinaire com milhares de receitas tais como Pêche Melba, Tornedó Rossini etc e o sonho do Benê na época: o pêmio Bocuse d´Or. Benê trabalhava muito nessa sua industria. Eu provei do seu sonho em duas oportunidades. Sua matéria primeira: a Galinha d´Angola – capote, saqué ( citada por Raul Seixas em Capim Guiné letra de Wilson Aragão: Suçuarana só fez perversidade \Pardal foi pra cidade\ Piruá minha saqüé \Qüé! Qüé!. - . Como dizia, a primeira era uma espécie de Capote ao molho pardo, variante do prato mineiro. Benê não se assustava com o prato, pensava em algo espantoso, que provocasse lágrimas estéticas. Além do que, havia as regras do Bocuse d´Or, o tempo. Na segunda fase não existia pré preparo, haveria de ser no forno e fogão na frente dos jurados. E a saqué tarda a ficar pronta. Não haveria tempo exequível à façanha. Depois confitou as coxas, os peitos, mas estas eu não tive a honra. Por fim meti minha colher de pau: Benê que tal: d´Angola au faisandè com falsas trufas! Disse-lhe. Benê disse: já sei! E fechou o sarcófago, mas antes disse: daqui um mês verás. O tempo voou. Quando nos encontramos novamente me convidou para provar o acepipe em dois dias – numa segunda creio pois só bebia muito às segundas - . Benê todo aquele tempo alimentara a galinha d´angola a milho, alho, água de rosas, mamão e cerveja. O álcool e o mamão são para amaciá-la, o milho alimentá-la e alho e a água de rosas para odorá-la disse-me. Benê partia duma premissa: trufas negras cheiravam a peidos d´alho suavizados com odor de rosa. Um cheiro a self-service com patrões chineses. Enfim havia matado a saqué, torcendo-lhe o pescoço, para que não perdesse humores, cheiros e sangue. A havia dependurado por dois dias dentro da geladeira a temperaturas dos 12 - 15ºC – deixara a porta entreaberta – afim de provocar o princípio de decomposição – faisandè - , mas de modo controlado. Conversamos que a saqué é melhor que o faisão, enquanto preparava a primeira prova: peito de d´angola selado em manteiga clarificada turbinada com azeite de oliva, flambada com brandy espanhol Fundador – era o most da época – à redução dos sucos adicionou umas folhas de tomilho, uma lasquinha de cogumelo seco porcini reidratado com água de rosas e os próprios miúdos da saqué, coou, reduziu e serviu com purê de cará cozido com sidra misturado a maçã verde.
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