Pé de porco com porcini. É uma redundância culinária!

Pé de porco recheado com peito de frango, guarnecido por funghi porcini com redução de vinho do porto.

O pé de porco contrariamente que se pensa, tem pouca gordura. Por sinal tem mesmo é muito osso, é todo um mundo de carpo, falanges, escafoides, hipotenares, metacarpos e muito colágeno. Para quem possa interessar, colágeno é bom para a pele e ossos; e o policarpo dá muitos frutos.
A combinação é barroca, no sentido da filigranagem entrelaçada, mas é coisa que faz sentido ao paladar. É uma possibilidade lúdica a sua construção.

Tudo começa no açougue. Peça uns pezinhos “gordinhos” e que os serrem ao meio longitudinalmente. Se exclamarem: só! Como soem fazer. Responda só.
Certifique-se que nada falte: meio pé de porco per capta, umas gramas de funghi porcini, um peito de frango, uma batata por comensal, vinho do porto, uma folha de louro, uma pimenta dedo de moça, sal marinho, pimenta do reino, 2 cravos da Índia, umas flores azuis de alecrim, um dente de alho, duas colheres de azeite, dois potinhos (aqueles do Alex Atala) de caldo de carne e um cálice de vinho do porto.
Providências tempestivas: cozinhe as batatas com a casca (assim encharca menos), ponha o funghi para reidratar, bote o peito de frango a cozinhar em sal e água e tudo seguido ponha os pés ( de porco) numa panela de pressão com água e sal marinho como se fosse água do mar diluída pela metade, concentração de 4,5% ( cada litro de água 45gr de sal marinho), dois cravos da Índia, uma folha de louro, pimenta do reino e uma dedo de moça inteira (pimenta está oculta) sem cortes; cozinhe até a carne se soltar dos ossos. Quando os vapores começam a circular pelo ambiente, sente-se o porquê do cravo da Índia e do louro, seus olores se fundem num terceiro. Vale a pena senão mais, por isso.
Retirados da água de cozimento, e tendo umas luvas calçadas, e quando a temperatura assim o permitir, desosse, ( não deixe esfriar muito, pois só aumenta a dificuldade) de forma a obter a “carne” em sua integridade de meio pé. Enquanto desosso noto que o porco também tem o polegar em oposição aos demais dedos. Heráclito de Éfeso disse: o porco se lava na lama. Isso dá o que pensar. O que suja também limpa. Ou quanto mais limpo se quer mais se chafurda e mais enlameado se fica. De outra maneira como dizia São Jackson do Pandeiro: quem vende saúde, possivelmente é doente. Bom, cada um pensa o que quiser enquanto desossa.
Corto o peito de frango, grosso como uma salsicha, deito-o à metade da carne do pé de porco que está sobre um filme de PVC, com a pele virada para o filme, e cubro tudo com a outra parte da carne de pé de porco. Agora há que se conseguir formar um cilindro, envolvendo a carne com o filme, de maneira que fique bem consistente, prensado, depois levo à geladeira por uma hora.
Pelo a batata cozida, amasso-a com garfo de forma a ficar em pedaços, miúdos. Escorro a água dos porcinis, espremo-os, lavo caso sinta a presença indesejável de terras italianas. O Porcini é o Bolletus Edulis, que o restante da Europa chama de Cep, Ceps, Cepe. Os italianos dizem porcini, pois o porco o ama, menos que à trufa, é claro. É o cogumelo por excelência.
Reduzo o vinho do porto, reduzir é deixar evaporar, sem mais, frigideira e fogo, então acrescento o caldo de carne do Alex Atala.
Enquanto isso noutra frigideira com fundinho de azeite, douro os porcinis, salgo, retiro-os e ai somo um chorinho de azeite e as batatas e deixo que chiem e ganhem uma cor dourada.
Tendo o cilindro – é um(a) terrine redonda(o) - de pés de porco sobre a tábua corto-o em tornedos de um centímetro e meio de espessura, com o auxílio de uma espatula, deito-os na frigideira e frijo-os por um minuto cada face.
Emprato. Verbo empratar. Colocar no prato seguindo intenções estéticas, de tal maneira a conseguir volumes e combinações de cores. Termino com o molho do porto e a flor azul do alecrim.
Tudo que botamos no prato deve ser comestível e saboroso.
A mesa deve ser enfeitada, porém não deve ter flores, cujos olores concorram com os do prato a ser servido. Cuidado com velas e incensos demasiadamente perfumados.

Um comentário:

Panatto nato disse...

Otimo mesmo e o autor do texto.
Kkkkkkkk