Calêndula.





Uma vez fui à loja de gourmandises da loja de departamentos do El Corte Ingles, na praça da Catalunya, e me senti menosprezado, mesmo havendo gastado uns trinta euros numa bobagem. Um dia contei isso para a Rose uma amiga barcelonina, que me disse também lhe haver passado o mesmo. E um amigo dela havia dito que fazia o seguinte. Entrava na loja. Não olhava para ninguém. Falava bom dia, com um sorriso plástico multidirecional. Quase viado. Pegava da cestinha. Escolhia o vinho mais caro. Metia dentro da cestinha. E começava a passear pela boutique gourmet. … e esse queijo?
Ah senhor, trata-se de um legitimo... dizia o atendente e seguia: temos um encetado se o senhor quiser provar! Provava. Mas creio que não casa com esse Priorat 1989 que vou abrir hoje a noite... . Enfim especulava, escolhia com ajuda simpática dos atendentes, e no caixa descartava levar o Priorat 1989, afinal os tempos andam bicudos...
Andava desejoso de perpetrar uma salada, qual carregava a passear sua “arché”, que tem porque tem que ter Calêndula. Terminei por estar parado diante da exposição de flores do Pão de Açúcar da João Fiúsa. ( para os não ribeirão-pretanos digo: se a João Fiúsa fosse o que ela pensa que é: seria em Buenos Aires, sem ser mais que uma maquete da demonstração de poder, um Mc Bacon dentro do saquinho no lixão, como é o que é, fica em Ribeirão Preto). Entretanto chegou uma moça. Não dei conta de sua enormidade, sinceramente estava absorto na coisa Calêndula. A mocinha do caixa, que já tinha se dado conta da minha presença, perguntou se podia me ajudar. Veja como normalmente quem te faz essa pergunta de cara não pode te ajudar. Mas, expliquei-me lhe. Ela disse que o rapaz do caixa ao lado que havia saído e que já já voltava, entendia de flores. Era um viado. Não uma flor, mas o jarro cheio delas.
    • Calêndula! Olha que vai te morder! Disse-me e rodopiou no seu quartel general: o caixa.
    • O próximo! Falou. Eu havia me dirigido para os crisântemos, ainda que a Calêndula, mais se assemelhe às margaridas, mas estas não havia.
    • Esses homens! E veio saracoteando até tocar nas kalanchoes. Claro que ele poderia bater os pés e afirmar que kalanchoes é o nome cientifico de Calêndula. Mas para se sair da enrascada disse que havia confundido Calêndula com.. enfim não me lembro. Porque neste ínterim, intervinha Joana. Não a Joana que crepitou na fogueira, mas a própria fogueira que derreteu as banhas hereges daquela. Morena, moura, árabe. Vai vendo.
    • Sua..?
    • Cidão.
    • Cido. Disse ela. Eu posso jurar, não tenho ouvido absoluto, mas aquilo era um si bemol. Cido.
      Aquele revérbero foi afastando todas as teias de aranha da sala amorosa do meu apartamento de sentimentos, por fim acomodou-se na poltrona do quarto de amores dos amores já fossilizados e continuou: … sabe que há dois dias fui a um jantar em casa de R e havia Calêndulas, em tudo! menos na comida, claro! Armou-se de um sorriso, e eu me sentia uma lagosta diante da classe média. Nem sei se disse alguma coisa, creio que estava sob hipnose.
      Quando despertei estava entrando no seu carro. Depois de ela haver quase subido de tom para dizer-me que já estava aberto. Disse-me que R não estaria em casa, mas que Maiara nos ensinaria onde encontrar as calêndulas, que se tivéssemos sorte ainda estariam vivas nos seus vasinhos. O verbo na terceira do plural, me tocou. então me perguntou de que tipo de música eu gostava. Eu olhei bem para seu despojamento, caro, e não errei quando disse: Joe Cooker.
      Ela me disse que gostava de passear de carro ouvindo músicas. Eu disse preferir asa deltas, mas que também gostava de carro e independentemente do calor ir com os vidros abaixados e fumando. Permissão concedida, compartida e de repente me peguei sonhando que a calêndula seria eu. Na casa de R na rua Felipe Ache, R que não estava, já havia chamado por Maiara que havia separado todos os vasos e arranjos, nos quais Joana nada viu de Calêndulas ou sentiu seu cheiro. O cheiro que eu sentia tinha algo a ver com caju, narguilé e o toque plástico de açafrão ... Calêndula, pensei. Uma vez de volta ao caro, Joana acendia o cigarro, para que eu fumasse. Eu como sei dar fim a tudo, disse-lhe que me deixasse na presidente Vargas. Então ela perguntou em si bemol: e Calêndula?

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