Bisque Biscáia Bizkaiko de camarões.

Bizkaiko Golkoa, Baia Biscaina
Bisque de Camarão



A coisa remete à baia de Biscaia. Bizkaiko Golkoa. Mar Cantábrico.
Pescadores e pedreiros sempre foram bons bebedores e de certa maneira não fruem dos melhores produtos de seus trabalhos. Não sei se bebem por isso ou se em vista de, também o fazem. Nos primórdios desvencilhavam-se, das cabeças de camarões estropeados pelas redes e daqueles que o mercado não consumia, ali mesmo, em alto mar. Claro é que no calor da luta e um brandy (cognac, conhaque) como companheiro, a tudo se espanta, inclusive a fome. A falta de amada ou mesmo a negativa dela são boas matérias-primas para curtir uma “fossa” deliciosa. Mas as amadas e a prole, em terra firme, sempre esperavam por amor e comida, ou algo que alegrasse a sopinha trivial das noites frias daquelas paragens. Imagino o camarada chegando borracho, carente, com frio e com fome, e encontra a mulher esperando por alegrias marítimas: pescadores, camarões, lulas, lagostas etc e o cara de mãos abanando, apesar de ser uma delicia beijar, amar alguém embriagado (o outro). Eu me desfazia em devaneios pelas tardes de sábado em que saia com a namorada para uma tarde de boteco, somente nesse dia ela bebia espirituosas, nos outros dias, suco de laranja. Mas ora vamos, ao menos ao sábado ela entornava umas três caipiroscas. Eu ficava mais feliz principalmente quando eram de maracujá. Eu me mantinha a beira da sobriedade para fruir com requintes indianos daquele momento. Acho que o ego solta a gravata, o cadarço do sapato, como um soldado se livra do borzeguim... Volto à receita, que só tenho o conhaque, me falta o brandy ou cognac, além, claro do corpo sabiamente desfalecido. Pois um dia o pescador resolveu alegrar a sopa que sempre o esperara com com uns restos de redes de camarões cozidos em alto mar – fritos – em azeite e brandy. ( tudo para conservar até chegar ao fogão ). Este é o método. As cabeças e as “pernas” (pereiópode)(cefalotórax) de camarão e tudo aquilo que sai junto com a carapaça são pontos de concentração do sabor do bicho, ademais impregnam o azeite com suas essências marinhas. O pescador com esse detalhe: comeu amou dormiu despertou melhor mais humano e mais senhor de mares e terras.

Comer isso é comer o mar, concentrado mar, é ter o mar a meter-se diante do nariz, e cometer um bisque é assenhorar-se dele – o mar e suas sereias, sem cera nos ouvidos - como quem arma uma rede entre dois coqueiros a beira mar e deixa-se embalar pela brisa.
Para tanto faço um refogado (mirepoix)de toucinho (picadinho), cebola picadinha, cenoura picadinha, um tiquinho de salsão picadinho, tomilho e louro. Quando estiver bem refogado cubro com água e uma colher de manteiga e cozinho até que a água se evapore. RESERVO.
Nota 1. Nossa água é clorada, fluorada fluoretada etc. Uma vez no inferno abrace o capeta e use água mineral.
Nota 2. não use bacon, se quiser substituir, use banha ou faça outra receita.

No Pão de Açúcar tem um camarão que se presta muito a esta receita, por barato. É um camarão cinza. Camarão de granja. Dou uma boa fritada, e os deixo esfriar. Separo cabeças e pernas e cascas e devolvo tudo à panela. Reservo a carne. A essas carapaças dou-lhes muito fogo e flambo com brandy (Domecq é o mais barato), mas não deixo todo o álcool se consumir, com a tampa tapo a panela e apago o fogo. Ai começa a festa: ponho tudo na panela (destapada), espinhas de peixe (cruas) de outras façanhas, vinho branco seco ( o chapinha branco seco é sequíssimo, ótimo), o mirepoix, uma xícara de arroz, sim arroz, água para completar a panela, alho poró, pimentão verde, algo de pimenta vermelha, sal e pimenta do reino branca. Cozinho. Cozinho. Quando o líquido reduziu pela metade, paro de cozinhar e coo. Coo e com o auxilio de uma colher dou uma espremidinha ( média pressão) na parte sólida acima na peneira, sempre cai um plus de suco de mar. O ideal era ter um coador chinês ( parece um chapéu de chinês, vietnamita colhendo arroz – imagem – significado\significante=signo) que tem os furinhos bem finos, mas em casa me viro com uma peneirinha do bazar chinês da Alvares Cabral. Antes disso cozinho mais um tiquinho o líquido obtido na operação anterior, para reduzir ao ponto de creme espesso, boto creme de leite e então faz: plóc ao subir a bolha. Está pronto o bisque ( interessante o plóc, pois é o processo geológico gerador daquelas bolhas que não escaparam à superfície da terra em tempos de lavas e o quartzo se formou lá dentro, são muito comuns em lojas de neo hippies; pedras semipreciosas, pena de pavão, tacape, berimbau etc). Passo pela peneirinha chinesa com o auxílio aristocrático de um minipimer. Depois é aquecer, verificar o ponto de sal, juntar os corpos cozidos dos camarões e enfeitar o prato com uma folha de salsinha. Se encontro umas ostras, coloco o bisque sobre a criatura.

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