Alcachofra: O mundo é uma alcachofra.


Kierkegaard nos vê em capas de crescimento humano até o âmago do nosso ser. Mas Italo Calvino mete bala e brada: O mundo é uma alcachofra. Quando diz: mundo, está querendo dizer: A realidade do mundo. Esse mundo que vemos com os olhos que temos na cara é assim: múltiplo, estratificado, camadas de adensamento sobrepostas e espinhoso. Nada mais que uma alcachofra. E vamos chupando folha a folha, camada por camada até o coração. Um comer cheio de pudor, lento e prazeroso.


Alcachofra no árabe: al-kharshûf . No grego Cynara, uma jovem que deu uma enjeitada em Zeus e este a transformou em planta. Por isso a bebida se chama Cynar.
Eu corto as pontas das folhas, fazendo um nivelamento, ali onde imagino que estejam os espinhos, os ferros. Com o auxilio de uma faca de fazer bolinhas de batata, retiro todos os espinhos. Enquanto não trabalho com a flor, deixo-a imersa em água com salsinha, para que não oxide. Muitos usam suco de limão e mesmo vinagre, mas estes alteram o sabor da Cynara, coisa que a salsinha não faz. É um truque de italianos. Cozo-a em água, até que quando se puxe a pétala e esta se solta do conjunto. Há muitas maneiras de se cometer uma alcachofra.
 Faço um alho picadíssimo, uma salsinha finississima, pimenta calabresa miudamente picada e o azeite que emulsiono com umas gotas de suco de limão. Bato ligeiramente. Vou xuxando as folhas nessa vinagreta e me deleitando. Quanto só me resta o miolo da alcachofra, o coração, então junto toda a vinagreta e boto um punhado de farinha de mandioca em flocos e vou picando e ao mesmo tempo fazendo uma farofa fria.   

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